Artigos12 junho 2024
Objetivo é maximizar a fiscalização das atividades do devedor em casos complexos
A figura do “watchdog”, que em tradução livre significa “cão de guarda”, mais conhecido nos processos de insolvência como Observador Judicial, não está positivada na Lei n.º 11.101/2005 (“LRF” – Recuperação judicial, extrajudicial e falência) e também não foi introduzida pela recente reforma promovida pela Lei n.º 14.112/2020.
No entanto, a doutrina falimentar internacional aos poucos instituiu referido personagem em processos de insolvências mais complexos com o objetivo de maximizar a fiscalização das atividades do devedor, a despeito de tal múnus também estar contido nas atribuições legais do administrador judicial.
O watchdog, que pode ser uma pessoa física ou jurídica, em regra, é nomeado pelo Juízo, sendo caraterizado por um profissional multidisciplinar e de confiança do magistrado, tal como ocorre com a figura do administrador judicial.
Não há impeditivo legal para que tal profissional possa ser escolhido de comum acordo entre o devedor e os credores, podendo, inclusive, ser previsto no plano de recuperação
judicial para fins de fiscalização das atividades do devedor durante o cumprimento do plano por determinado prazo, por exemplo.
Referido personagem caracteriza-se basicamente como os “olhos do Juízo” para fins de acompanhamento/fiscalização, em tempo integral, sobre a regularidade das atividades e dos negócios realizados pelo devedor, especialmente com o objetivo de constatar a prática de conduta que eventualmente possa representar prejuízo aos credores, ou ainda, a prática de atos ilícitos, notadamente sob o ponto de vista da legislação falimentar.
Com efeito, o intuito é que o Observador Judicial possa fiscalizar preponderantemente a movimentação financeira, reportando tais observações diretamente ao Juízo por meio de relatórios circunstanciados.
É importante salientar que durante o cumprimento de seu múnus, o Observador Judicial não possui qualquer poder de ingerência sobre as atividades do devedor. A estrutura societária do devedor permanece hígida, o que mitiga os efeitos negativos e deletérios de uma eventual nomeação de um Gestor Judicial com o afastamento dos sócios, administradores, diretores ou acionistas controladores dos negócios do devedor.
A propósito, sobreleva destacar, brevemente, que a diferença preponderante entre o Gestor Judicial e Observador Judicial reside no fato de que aquele é nomeado pelos credores em assembleia para fins de substituição do(s) administrador(es) (sócio(s)/acionista(s)/diretor(es)) do devedor que incorrer em algumas das hipóteses previstas no art. 64 da LRF.
Logo, a nomeação de um Gestor Judicial se trata de uma medida extrema e que apresenta maior impacto, na medida em que implica em poder geral de administração das atividades do devedor e direção dos negócios, em substituição àquele originariamente legitimado pela estrutura societária do devedor.
Por seu turno, como já afirmado, o Observador Judicial não possui tal poder de ingerência. Logo, pode ser considerando um auxiliar do administrador judicial, fato que não diminui sua importância tampouco a complexidade de seu trabalho, afinal, nomeado
pelo Poder Judiciário pontualmente em casos mais complexos e situações extraordinárias justamente para fiscalizar a rotina do devedor e apontar eventual desvio de ativos e/ou conduta e/ou burla à legislação trabalhista, tributária, societária etc.
Portanto, a atuação do watchdog no dia a dia das atividades do devedor é absolutamente isenta e imparcial, não impedindo ou deliberando sobre quaisquer medidas que devem (ou não) ser adotadas na continuidade dos negócios.
Todavia, como qualquer outra atribuição judicial, o exercício do encargo de watchdog possui grandes desafios, pois além de necessariamente ter de possuir notória experiência e amplo conhecimento técnico de administração de empresas, deve possuir ou manter uma equipe multidisciplinar com conhecimento jurídico, financeiro, econômico, por exemplo, assim como informações sobre o negócio do devedor objeto da fiscalização, caso contrário, a efetividade de sua nomeação resta absolutamente inócua.
A reunião de todas essas atribuições é necessária para que a fiscalização e as informações prestadas em Juízo possam ser as mais fidedignas possíveis e possam retratar a veracidade das operações e negócios do devedor, sobretudo para fins de conhecimento dos credores, os quais não possuem a abertura para acompanhar de forma direta as atividades da empresa em recuperação judicial.
Por fim, considerando que a figura do Observador Judicial (watchdog) ainda é muito incipiente nos processos em trâmite no país, não há como se afirmar que sua atuação tenha trazido algum tipo de impacto significativo no resultado do processo de insolvência, mas certamente é possível afirmar que sua integração direta como fiscal das atividades do devedor traz repercussões sensivelmente positivas aos credores, na medida em que, para estes, o maior desafio é justamente saber se efetivamente o processo de insolvência está indene de irregularidades e/ou ilícitos cometidos pelo devedor.