Artigos18 abril 2024
O agronegócio é um dos pilares da economia brasileira, contribuindo significativamente para o PIB do país. No entanto, como qualquer setor, enfrenta desafios que podem levar à necessidade de recuperação judicial
A recuperação judicial (RJ) no Brasil, particularmente no que tange ao setor do agronegócio, tornou-se um tema de crescente relevância em face das adversidades econômicas recentes. Isso porque, o agro, pilar fundamental da economia brasileira, responsável por uma fatia significativa do PIB e das exportações, enfrenta uma crise multifacetada. Esta crise é alimentada por variáveis como flutuações de mercado, questões climáticas adversas e desafios na gestão financeira, culminando em um cenário em que a recuperação judicial se apresenta como um mecanismo vital para a sustentabilidade do setor. A volatilidade dos preços das commodities, as incertezas climáticas e a alta carga tributária são também algumas das principais causas de problemas financeiros para a indústria.
Embora a crise seja anunciada há algum tempo, ela refletiu em números na recente pesquisa divulgada pelo Serasa Experian[1], que revelou um aumento de 535% (quinhentos e trinta e cinco por cento) nos pedidos de recuperação judicial de produtores rurais, em comparação aos anos de 2022 e 2023. A pesquisa apontou que a maior concentração dos pedidos recai sobre os estados do Mato Grosso e Goiás.
A soja, por exemplo, atingiu a sua menor cotação desde agosto de 2020 e, apesar de sua produção ter crescido mais de 15% em 2023, para o ano de 2024, a expectativa é de redução na sua produção[2].
O Sindicato Rural de Lucas do Rio Verde manifestou-se recentemente, declarando o cenário alarmante do setor e revelando que atualmente os preços da saca de soja não cobrem o custo de produção. Ainda, reforçou que a situação acarreta impactos relevantes para toda a cadeia produtiva e de suprimentos[3].
É inegável que a atividade agrícola, mesmo com sua capacidade ímpar de geração de riqueza e empregos, enfrenta hoje um ambiente de incertezas agravadas por fatores internos e externos.
Assim, a RJ surge como uma ferramenta legal que permite aos produtores rurais a negociação de dívidas sob a proteção judicial, evitando a falência e permitindo a continuidade de suas operações. Este processo não apenas salva a atividade, mas preserva postos de trabalho e contribui para a estabilidade econômica no campo.
A Lei 11.101/2005, que regula a recuperação judicial no Brasil, foi desenhada para abranger uma ampla gama de atividades empresariais, incluindo o agronegócio. Contudo, a aplicação desse mecanismo legal aos produtores rurais traz consigo particularidades que refletem a singularidade do setor agrícola, como a sazonalidade das receitas e a dependência de fatores naturais. Essas especificidades exigem uma compreensão aprofundada não apenas da legislação, mas também das práticas agrícolas, para que o processo de recuperação judicial seja efetivamente benéfico e adaptado às necessidades dos produtores.
Um dos primeiros desafios envolve o próprio enquadramento legal do produtor rural como empresário, requisito essencial para que possa utilizar-se do instrumento legal, que é a Lei 11.101/2005. Tradicionalmente, muitos produtores rurais não realizam sua formalização como empresários perante o registro de empresas, o que pode impedir sua elegibilidade para o processo de recuperação judicial. A necessidade de comprovação de atividade empresarial por um período mínimo, por meio de escrituração contábil regular, é um ponto de atenção que demanda orientação jurídica especializada.
Outro desafio significativo é a própria natureza volátil do agro, marcada por flutuações de mercado e riscos climáticos que podem afetar drasticamente a produção e, consequentemente, a capacidade de honrar compromissos financeiros. Esta instabilidade exige planos de recuperação judicial flexíveis e adaptáveis, capazes de acomodar a imprevisibilidade inerente ao setor.
A gestão eficiente das dívidas e a manutenção de um fluxo de caixa saudável são cruciais durante o processo de recuperação judicial. Muitos produtores rurais enfrentam dificuldades na renegociação de dívidas devido às garantias exigidas pelos credores e às taxas de juros elevadas. Além disso, o planejamento financeiro é desafiador devido à sazonalidade das receitas, exigindo uma gestão cautelosa e previsível.
A recuperação judicial de produtores rurais representa uma oportunidade para a reestruturação financeira e operacional necessária à superação de crises. Entretanto, para que esse processo seja bem-sucedido, é imprescindível enfrentar os desafios legais, operacionais e de mercado com estratégias adequadas e suporte especializado. Mais do que uma medida de emergência, a recuperação judicial deve ser vista como parte de uma estratégia de longo prazo para a sustentabilidade e o crescimento no agronegócio. Com a abordagem correta, os produtores rurais podem navegar pelas dificuldades do processo e emergir mais fortes, resilientes e preparados para os desafios futuros do setor.
[1] https://www.serasaexperian.com.br/sala-de-imprensa/agronegocios/produtores-rurais-que-atuam-como-pessoa-fisica-acumulam-127-pedidos-de-recuperacao-judicial-em-2023-revela-serasa-experian/
[2] https://www.poder360.com.br/agronegocio/a-espera-de-plano-para-o-setor-agro-faz-demonstracao-de-forca/
[3] https://matogrosso.canalrural.com.br/agricultura/soja/cenario-alarmante-da-safra-23-24-em-mt-vai-alem-dos-prejuizos-aos-produtores-diz-sindicato/
Veja também: STALKING HORSE: EFICIÊNCIA EM PROCESSOS DE INSOLVÊNCIA